segunda-feira, 29 de março de 2010

Cinco coisas que eu não fiz


Sabe como é, agora que pela primeira vez tenho acesso irrestrito à Internet, como já havia mencionado antes, e que minha ocupação atual me permite – para não dizer que me obriga – passar o dia em frente ao computador, tenho a chance de explorar o que de melhor e pior a combinação de falta do que fazer e liberdade de expressão pode gerar.
É incrível, mas enquanto alguns exemplares de Homo sapiens usam seu tempo livre para divulgar coisas geniais como isso aqui, outros tantos se ocupam com isso. E viva a inclusão digital!
Mas uma bobagem que me agrada são as tais das “Top 5” ou “Top 10” sei-lá-o-quê. Essas listinhas de preferidos em geral são parciais, polêmicas e nada informativas, mas é impossível resistir a uma breve leitura e imaginar quais razões levaram o autor a eleger tal em detrimento de outro tal, e considerar como seria a sua lista em comparação com aquela.
Eu mesmo estreei o blog com uma lista das razões para escrever um blog, lembra? Agora o assunto é outro. E confesso que a escolha é estranha: coisas que tinha a hora certa pra fazer e não fiz.
Pô, escrever um “Top 5 Arrependimento”? Para que o martírio? Ledo engano (aliás, você sabe o que significa “ledo”? Melhor ainda, já viu alguém usar esse adjetivo sem ser com “engano”? E “ledo” tem feminino? Ahá! Corra para o Google, seu curioso!). Como disse Veríssimo uma vez, as pessoas são formadas pelo que elas decidem não fazer. Então, de repente, revisitar essas (não-)escolhas pode te dar uma idéia de como é que você chegou a ser o que é hoje.
Sem mais explicações, à lista:

1-      Ler Monteiro Lobato. Eu sei, eu sei... Shame on me. Cerca de 80% das pessoas, segundo dados que acabei de inventar, quando perguntadas “E como começou seu interesse pela leitura?”, respondem “Lendo Monteiro Lobato”. Eu não li. E por que não ler agora? Porque não rola mais, sabe? O encanto que a leitura causaria aos olhos infantis se foi. Agora seria apenas uma obrigação. E eu não tenho desculpa: até hoje, na estante da sala da minha mãe, está lá a coleção completa de “Reinações de Narizinho”. Quando passo por ela, desvio o rosto, envergonhado. Posso sentir o olhar de censura do Visconde de Sabugosa, meneando a cabeça em reprovação e dizendo: “Tsc, tsc, tsc....”. Pelo menos eu li Série Vaga-lume.

2-      Ganhar uma medalha. Sabe aquelas coleções de medalhas de competições escolares esportivas que todos ostentam, com maior ou menor número de exemplares? Então. Eu não tenho. Nenhuma sequer. Nem de 4º lugar. Nem ficando no banco. Quem me conhece, sabe que minha invejável compleição física fez de mim um fracasso retumbante em esportes. Mas sempre tem o tênis de mesa. Nem isso consegui. Nada. Não sei qual é a sensação de me arcar levemente para que envolvam meu pescoço com a fita que ostenta o pingente da glória efêmera [drama mode off]. As únicas coisas que já ganhei foram um “Bicampeonato de melhor fantasia de carnaval do baile de Artur Nogueira” (aí sim, fomos surpreendidos novamente) e “2º lugar melhor composição musical no festival CotilArte”. Essa música foi parar no CD da minha banda. Chama-se “Escolha Certa” e você ouve aqui.

3-      Xavecar a mulherada. Mais uma vez devido à minha já citada compleição física, minhas desventuras no campo da pegação durante a adolescência são dignas de desprezo. Passei boa parte da minha adolescência perdendo meu tempo com paixonites platônicas. E o fato do mundo mágico do álcool enquanto desinibidor social só ter se me apresentado tardiamente contribuiu para uma total falta de habilidade em dar o approach. Chegando à universidade, onde a esbórnia corre solta, comecei a namorar depois de dois meses. Se não fosse o fato de eu ter conhecido a mulher da minha vida (que, aliás, tem esse blog e esse outro), com a qual estou até hoje e vou estar pra sempre, acho que passar os tempos de faculdade namorando pode ser no mínimo um erro estratégico. Nem posso dizer: “Nossa, depois de 10 anos de namoro, já nem sei mais como é chegar numa mulher”. Eu não corro esse risco. Não posso esquecer o que nunca aprendi. A não ser, é claro, que estivesse escrevendo uma letra da Legião Urbana.

4-      Ir a um show do Pink Floyd. Em 1994, já sem Roger Waters, o Pink Floyd excursionou com a turnê “Pulse”, que vem a ser a produção mais embasbacante que o mundo do rock já presenciou. Eu tinha 12 anos, e nem sabia o que era Pink Floyd. Agora já era, eles prometem vir para o Brasil todo ano e nunca vieram, o tecladista morreu, não vai dar mesmo. Mas eu posso ir num show do NX Zero. Ai, que alegria.

5-      Viajar para a Europa pela metade do preço. Aos desavisados que me lêem, saibam que até os 26 anos de idade, viajantes pela Europa pagam metade em passagens de trem, entradas de museus, alguns shows e eventos. Uma maneira inteligente de fomentar o turismo no estilo mochilão. Uma maneira cruel de deixar a mim (27 anos) com cara de otário. Pelo menos consegui mais um item para completar essa minha leda lista.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sobre a fé



Lembro dos tempos de catequese. Domingo de manhã. Uma infinidade de textos metafóricos explicados literalmente e um sem-número de regras, de “podes” e “não podes”. Decorar os mandamentos e os sacramentos para a chamada oral. Competição para o maior número de nomes de Nossa Senhora.
Como mais de 70% da população brasileira, nasci em berço católico. Batismo, primeira-comunhão e crisma. Com a descrição do parágrafo anterior, até não seria de se surpreender que a Igreja Romana perca 10% de seus fiéis (?) ao ano. Minha razão foi outra. Eu até achava a decoreba divertida.
Cansei de ambigüidades, de falta de lógica, acima de tudo. Não conseguia conceber um ser que é Perdão e Amor condenando algumas de suas crias à danação eterna. Meio do mal isso. Fui procurar outras respostas.
Achei que meu raciocínio lógico e minha necessidade de racionalizar tudo me levariam ao ateísmo. Não mesmo. Eu acho o ateísmo um saco. Pior que isso, só o ceticismo científico. É muita falta de tesão na vida ser cético. Você já viu algum cético sorrir, a não ser com ironia e com aquele ar de superioridade de “olha eles achando que sabem alguma coisa”?
Pô, legal por em dúvida e questionar as coisas. Não fosse por isso, eu também não teria movido adiante (espero). Mas creio que a doação à crença sem questionamento às vezes é tão deliciosamente necessária... Acho esse o grande papel da religião hoje em dia; depois de pastores estelionatários e padres pedófilos, o que nos resta é o misticismo. O grande mistério da fé.
E vai além da religião. Você gosta de acreditar que o déjà vu seja resultado de uma confusão neurológica que armazena o fato que se lhe apresenta na memória tardia ao invés da memória recente? Ou prefere achar que um dom inato de premonição nos dá lampejos de cenas futuras? Ou até que foi uma falha na Matrix? Não importa quão razoável a explicação científica seja, é muito mais saboroso crer no inexplicável. Precisamos disso.
Pra mim, a fé tem um papel de confortar. Não de conformar. Acho o cúmulo o “moro num barraco e estou na merda, mas não posso fazer nada porque é o meu destino”. Isso é conformismo demais. Por outro lado, crer no famoso “nada é por acaso” ajuda a passar por momentos ruins, tirando o maior proveito disso possível e tendo energia para seguir em frente. Sem questionar, sem buscar explicações “preto-no-branco”.
Eu, da minha parte, estou bem com minha consciência escolhendo crer cegamente em algumas coisas e duvidando de outras quando julgo que devo. E sigo buscando conforto no invisível. Como todos, no fundo. Afinal, como dizem por aí, “na UTI, você não encontra nenhum ateu”.

(Ilustração: "Prayer", Cezar Capacle)