sexta-feira, 23 de abril de 2010

Tratado das Sílabas Tônicas

Há uns dez anos mais ou menos, por uma absoluta falta de algo melhor pra fazer, eu desenvolvi uma relação entre a personalidade das palavras, por assim dizer, e a posição da sílaba tônica. Apesar de ter discutido a ideia com algumas pessoas, principalmente com meu grande amigo Oscar, nunca cheguei a pôr a parada no papel. Agora vai.

Bem, nesse momento, sei que você está menos interessado na teoria em si do que em saber por que um rapazote de 17 anos se deu ao trabalho de refletir sobre isso. É, confesso que não tenho nada em minha defesa. É claramente uma manifestação de nerdice pura. Mas o que eu posso fazer? Veio a ideia, não posso afugentá-la como corvos que atacam o milharal de minha adolescência perdida (metáfora: a arte de deixar uma explicação mais confusa por meio de imagens desnecessárias).

Também não sei o quanto a teoria é original. Não me dei ao trabalho de pesquisar referências e estudos. Sei que o Luis Fernando Verissimo faz um delicioso uso da sonoridade das palavras, retirando-as do contexto e utilizando-as em significado diverso apenas pelo som delas. Para mim, é apenas um passatempo. Meu tipo de conversa de bar.

Resumidamente, classificaria as palavras assim:

Proparoxítonas: são as mais místicas (viu?). São mágicas (olha só!). Talvez por serem as mais raras da língua. Seu uso eleva um discurso mundano à categoria de refinado. Sílfide, ágora, lápide. Essa cadência de duas átonas depois da tônica deixa o falar pipocante - não há como não chamar a atenção. Lêmure, ínterim. Você não consegue simplesmente ouvir ou dizer uma proparoxítona. Elas te fazem arquear as sobrancelhas, em júbilo. Júbilo! Até mesmo uma palavra medonha como "capota" soaria bem se proparoxítona. Como uma ilha grega. Ilha de Cápota. Um imperativo mandão e horrendo como "engula" poderia entrar para a história tivesse uma tônica favorável. "E, naquela noite, cinco homens definiram as êngulas da Revolução."

Paroxítonas: a tônica da grosseria. Pense em um palavrão não monossílabo. 
É paroxítona. Pense em uma maneira agressiva de se referir às genitálias: paroxítona. Até palavras inocentes que tiveram o infortúnio de nascerem paroxítonas geram um mal-estar. Bigorna. Maneta. Soquete. Sendo trissílaba sem sons nasais, aí fica pior ainda. Tudo pode virar ofensa. "Sai daqui, seu placebo!". Podemos fazer o processo reverso das proparoxítonas: quer deixar uma palavra chula, paroxítone-a. "Mácula" vira "macula". "Pároco" vira "paroco". "Cágado" fica "cagado". Grotesco.

Oxítonas: são palavras leves e esperançosas. Não dá pra se afirmar nada com certeza e gravidade usando oxítonas. "Será?". Às oxítonas cabem assuntos sutis e singelos. Como os querubins. Serafins. Essa tônica quase caindo pra fora da palavra nos dá essa sensação de expectativa, de que vem algo por aí. Um café... Um jequitibá... É difícil por um ponto final depois de oxítonas. Mesmo os verbos infinitivos, quando ainda não contaminados pelos rigores das conjugações, são palavras oxítonas - partir, sonhar, receber.Exceção feita - obviamente - ao futuro, a conjugação natural da esperança: servirá, conhecerão, conquistarei. É mandar uma oxítona e esperar ela voar. Como um sabiá...